(Jazz às Quintas, entrada gratuita)
“All things must change to something new, to something strange.”Henry Wadsworth Longfellow"Tenho uma admiração antiga pelos músicos que fazem improvisação.
Quanto menos idiomáticos (menos ligados a linguagens musicais já existentes), mais os admiro e vão perceber já porquê.
Para os ouvir não basta sentar-me confortável, relaxar e deixar a música correr, porque isso apenas funciona quando a cena já está pré-estabelecida: eu sei o que vais tocar, tu sabes o que quero ouvir e assim entendemo-nos, não pensamos mais no assunto e acompanhados pelo ritmo cardíaco maternal, regressamos um pouco ao estado intra-uterino. Esta é a música de aeroportos (e não me refiro a Brian Eno).
Também não serve a atitude dominante de quando se assiste a um concerto: é uma decisão premeditada e activa e por isso, de alguma forma acabamos a avaliar a música, queremos que nos surpreenda. Sim, mas não demais. Tem haver uma alternância constante entre o factor surpresa e o que antecipamos que se vai passar, porque senão não funciona. Se a música é sempre previsível ou se nunca antecipamos o que se vai ouvir, desistimos de avaliar, ou seja de seguir o espectáculo. (bingo, estatisticamente a maior parte de nós não gosta ou não quer passar daqui quando ouve música)
Para ouvir música improvisada, não idiomática, não é possível adoptar nenhuma destas atitudes. Quando não se enquadra em regras já interiorizadas durante a nossa vida, é como ter de voltar à escola. Não estamos a avaliar a música porque não ‘sabemos’ nada sobre aquilo. Temos de nos disponibilizar a simplesmente aprender e isso não é cómodo. O nosso sentido crítico terá de se dirigir para outros aspectos indirectos, como a coerência do todo, a noção de capacidade de condução versus desenrolar aleatório que os músicos nos transmitem, a descoberta de novas estéticas através de novas estruturas, novas sonoridades, uma nova descoberta do belo. Temos de procurar.
Isto também dá prazer e até é relaxante, porque os avanços que fazemos colmatam as ansiedades que o desconhecido nos tinha trazido.
Mas não é um caminho que seja muitas vezes traçado na nossa vida inquieta onde a música é acima de tudo entretenimento imediato. Penso que tudo começa por estar sempre disposto à descoberta de outros horizontes. E nós somos muito ensinados a não fazer isto.
E agora, já perceberam. Se ouvir a música é um processo que exige de nós, ouvintes, imaginem o que não será criá-la e tocá-la. Uma maravilha, por certo.