quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Improviso

Quando se está a tocar não se pode pensar.
Ou pode? Esta questão foi um verdadeiro problema para mim, que sou físico de formação e a modos que engenheiro de profissão. Estou habituado a usar o hemisfério esquerdo para validar o direito, das ideias. Acho que em criança não somos assim, mas a minha via académica de ensino foi-me moldando durante anos. Optei por me concentrar na minha formação sem grandes desvios. Mais tarde, quando percebi que era impossível apenas fazer o que fazia, comecei a pintar e este meu processo de agir continuou. A pintar, exerço o espirito crítico "à posteriori" mais que o impulso "à priori". Infelizmente isso vê-se. Literalmente.
Foi quando retomei o pouco que sabia de guitarra que se tornou incontornável alterar este processo.

Há duas formas de improvisação. A livre, e a que segue algumas regras, como é o caso do jazz. É por não ser totalmente isenta de regras que temos a tentação de pensar. Simplificando ao máximo, temos de tocar seguindo uma harmonia, um conjunto de acordes previamente estabelecidos. Significa que tenho de saber escalas e arpejos e mais umas quantas coisitas. Ora eu julgava que sabia, porque se me perguntassem, podia responder. Mas não, porque saber assim, não serve para nada. Tenho de as 'ter nos dedos', se me faço compreender. Nelas não posso pensar, porque delas eu respiro. Os acordes mudam a uma sucessão de 4 tempos (pra simplificar) e eu não tenho tempos no hiperespaço para pensar nisso. Tenho de ir usando e mudando as minhas escalas com a naturalidade de quem respira. O que eu posso pensar, enquanto respiro, perdão, enquanto toco estas escalas, é na minha ideia melódica. Que tem uma liberdade relativa porque tem de se conformar nas escalas que toco.
É isso que neste momento me preocupa. Respirar as escalas e passar o pensamento para a intenção melódica. Este processo de libertação tem uma lentidão 'desesperante'. Só não desespero porque desesperaria ainda mais se não o conseguisse. Ainda está longe de ter uma qualidade razoável, mas já dei alguns passos.

Pode parecer à primeira vista, mas a improvisação livre nada facilita. Essa improvisação é dita 'livre' por falta de estruturas conformantes que sejam conhecidas, do público e dos (outros) músicos. Mas elas terão de existir, senão far-se-á sentir a falta de uma linguagem pessoal, e um excesso de aleatoriedade. A improvisação livre é muito exigente mas coloca a exigência em áreas diferentes da improvisação estruturada. E também exige ao ouvinte, porque não sendo uma linguagem universal, como o jazz, é muito mais difícil de ser reconhecida, comparada e avaliada. Nessas alturas usamos o coração e o desprendimento.

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