Fui desprevenido e desinformado. Levava apenas alguns qualificativos lidos distraidamente: “espectáculo minimalista”, “inquietação do público”, “inexistência de cenários”. Tudo bem, aguento, se calhar até gosto.
Mas não é fácil começar a digerir o que se vê. A música de Tchaikovsky começa. A qualidade do som ronda o low-fi. No palco à frente do fundo preto há 12 cadeiras e ao longo dos primeiros minutos entram no palco três dançarinos (adivinha-se pelos corpos) e um homem corcunda. Raimund Hoghe, o coreógrafo desta peça, é esse corcunda. Não esboçam dança. Pelo contrário, há um despojo absolutamente desconcertante dos poucos movimentos. Esperamos ver acção, mas nada acontece. A austeridade visual é assustadora. Os bailarinos deslocam-se de A para B no palco e ali ficam de pé ou deitados. Mexem um braço talvez, na única reminiscência da linguagem clássica do ballet. A música continua, mas o palco esvazia-se enquanto Hoghe tira uns papéis que a dada altura colocara pelo chão (simbolizando os cisnes). Ou o limpa, com uma esfregona, da água deixada por cubos de gelo (simbolizando talvez o lago).
À superfície é isto que acontece, em vez de uma sofisticada coreografia (moderna ou clássica) e de virtuosos movimentos dos dançarinos. Por isso é difícil de digerir. Temos de procurar uma outra lógica.
A narrativa do Lago dos cisnes está longe de ser seguida de forma linear. A peça decorre através dos símbolos criados por recurso a memórias. Por sugestões e associações de ideias provocadas. Hoghe que se desnuda por três vezes e mostra explicitamente a sua corcunda, que executa movimentos próximos do atabalhoado, é o símbolo da morte da ‘beleza tradicional’ do bailado. É também ele que gera uma nova linguagem. O sentido poético do todo é fortíssimo, mas nos nossos sentidos, desencadeado por “nadas” que são afinal poderosos elementos de sugestão. No final, Hoghe integralmente nu recria a morte por amor. É apoteose de um espectáculo onde só a verdade corre, despida de todos os artifícios e talvez simbolizada pela última vez quando Hoghe atira, por cima das suas costas e em direcção ao público, com um saco de plástico contendo toda a sua roupa. Num tempo em que o poder do visual é absoluto, o belo redefine-se através da sugestão.
Mas não é fácil começar a digerir o que se vê. A música de Tchaikovsky começa. A qualidade do som ronda o low-fi. No palco à frente do fundo preto há 12 cadeiras e ao longo dos primeiros minutos entram no palco três dançarinos (adivinha-se pelos corpos) e um homem corcunda. Raimund Hoghe, o coreógrafo desta peça, é esse corcunda. Não esboçam dança. Pelo contrário, há um despojo absolutamente desconcertante dos poucos movimentos. Esperamos ver acção, mas nada acontece. A austeridade visual é assustadora. Os bailarinos deslocam-se de A para B no palco e ali ficam de pé ou deitados. Mexem um braço talvez, na única reminiscência da linguagem clássica do ballet. A música continua, mas o palco esvazia-se enquanto Hoghe tira uns papéis que a dada altura colocara pelo chão (simbolizando os cisnes). Ou o limpa, com uma esfregona, da água deixada por cubos de gelo (simbolizando talvez o lago).
À superfície é isto que acontece, em vez de uma sofisticada coreografia (moderna ou clássica) e de virtuosos movimentos dos dançarinos. Por isso é difícil de digerir. Temos de procurar uma outra lógica.
A narrativa do Lago dos cisnes está longe de ser seguida de forma linear. A peça decorre através dos símbolos criados por recurso a memórias. Por sugestões e associações de ideias provocadas. Hoghe que se desnuda por três vezes e mostra explicitamente a sua corcunda, que executa movimentos próximos do atabalhoado, é o símbolo da morte da ‘beleza tradicional’ do bailado. É também ele que gera uma nova linguagem. O sentido poético do todo é fortíssimo, mas nos nossos sentidos, desencadeado por “nadas” que são afinal poderosos elementos de sugestão. No final, Hoghe integralmente nu recria a morte por amor. É apoteose de um espectáculo onde só a verdade corre, despida de todos os artifícios e talvez simbolizada pela última vez quando Hoghe atira, por cima das suas costas e em direcção ao público, com um saco de plástico contendo toda a sua roupa. Num tempo em que o poder do visual é absoluto, o belo redefine-se através da sugestão.
Culturgest, 8 Fevereiro 2008
Sem comentários:
Enviar um comentário